Houve um
tempo em que, em minha casa, morava minha mãe, minha irmã, eu e mais um irmão
de criação.
Em uma
ocasião qualquer, minha mãe fez alguns pastéis para comermos, nos fartamos e,
sobraram exatamente três pastéis. Como em todas as casas, o prato com esses
pastéis foi para a boca da panela, tampa por cima.
Horas
depois, perguntei à minha mãe se poderia comer mais um. Claro! Respondeu ela.
Lá fui eu
pegar mais um pastel e, surpresa! Não havia mais nenhum, só o prato na boca da
panela.
Minha mãe
pergunta para minha irmã se ela havia comido os pastéis. Não, disse ela.
Chama meu
irmão de criação e faz a mesma pergunta. Mesma resposta.
A cada um
questionado, a tampa era levantada do prato para que constatasse a ausência dos
ditos cujos. Ninguém havia comido, mas,
eles tinham desaparecido.
Não foi
minha mãe, não fui eu, não foi minha irmã, nem o meu irmão de criação. Como?
Alguém
estava mentindo.
Sobrou
para o menor, meu irmão de criação.
- Foi
você? Perguntava minha mãe.
- Não.
Respondia ele. Esse diálogo se repetiu algumas vezes.
- Se não
fui eu, diz minha mãe, não foi o Luiz nem a Lidia, só pode ter sido você.
Afirmava minha mãe.
- Não fui
eu. Dizia ele, quase chorando.
A cada
pergunta, o prato vazio era mostrado.
Eis que,
na última pergunta, já com a afirmativa da culpa dele, minha mãe vira a tampa
e, lá estavam os três pastéis, coladinhos. O vapor acumulado na tampa havia
molhado os pastéis, que colou ali.
A prova
estava clara, os pastéis não estavam lá. Mas a verdade estava encoberta pela
tampa da panela.
Tirei
desse episódio, para a minha vida, uma lição.
Não se
deve culpar ninguém sem antes esgotarem-se todos os argumentos.
Não quero
e não vou abrir polêmicas e discussões sobre o que falo a seguir, mas não posso
deixar de me manifestar sobre um assunto tão polêmico. O julgamento da AP 470.
Ontem o
STF encerrou seus trabalhos, de votação da admissibilidade dos embargos
infringentes, com quatro votos a favor e dois contra, indicando que serão
acatados, no dia de hoje.
Já vi
manifestação do tipo “pizza assando”, “não vai dar em nada” e, a mais
emblemática, vindo de um “grande articulista da grande mídia”: “está virando um
julgamento político”.
Virando
como? Não está sendo?
Acompanho
com interesse de leigo, desde o início. Não sou advogado, nem jurista. Sou um
leigo interessado. Assisto TV Justiça, leio jornais e revistas, busco na
internet, ouço e leio opiniões diversas – nesse caso, em particular. Mas não
abro mão de construir minha opinião.
A
admissão dos embargos infringentes não tem nada a ver com a obrigatoriedade em
mudar o resultado anterior do julgamento. Muito pelo contrário, caso se venha a
reafirmar esse resultado, este será mais forte e condizente com o que chamamos
justiça. Rever posições é um dever do julgador, caso esse se convença, através
das provas, que exagerou ou errou em sua avaliação.
Dizem: é
melhor dez culpados soltos do que um inocente preso.
Recursos
foram criados para que a sentença final esteja tão depurada que não haja mais
dúvida sobre ela.
Se
existem exageros na quantidade de recursos que se pode impetrar, esse é outro
assunto, para outra ocasião. Não no meio de julgamento. A regra está posta e
não pode ser mudada no meio do caminho.
Esse é um
julgamento político, existe um clamor por justiça – que não pode virar
justiçamento, para que não entre para a História como um erro clamoroso.
É
importante que nossos parâmetros mudem e, que ricos e engravatados, senhores do
dinheiro e de poder, também freqüentem nossas cadeias. Mas não a qualquer
custo.
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